quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Um Pouco Sobre Educação: Estudo Errado

Não é preciso ser discípulo do Paulo Freire para saber que tem alguma coisa de errado com a educação em nosso país. Não é apenas a falta de investimento que assombra e dificulta o aprendizado neste solo, mas também a forma como ela é ministrada em nossas salas de aula.

Hoje vou discorrer Um Pouco Sobre educação mas não vou abordar a maneira como a política interfere nela. Irei falar sobre o sistema educacional em si. Em outras palavras, como a educação está fundamentada na nossa sociedade.

Separei o texto em pequenos tópicos apenas para aguçar a reflexão acerca do nosso maravilhoso modelo educacional, além de julgá-los as principais barreiras colocadas pelos educadores e pelas instituições de ensino no caminho da aprendizagem.


Nos Ensinam um Monte de Lixo


A primeira coisa que faz qualquer ser humano perder o ânimo para estar sentado num espaço confinado, olhando para um retângulo de ardósia riscado com cal é o fato de que está fazendo esse esforço para aprender algo que ele venha a usar, no máximo, 2 vezes durante toda a sua vida1. E estou sendo otimista ao falar isso, pois eu te desafio a recordar algum momento da sua vida no qual saber o que é um ribossomo te ajudou a realizar algo, senão para responder uma questão na prova de biologia.

Evidentemente, não estou dizendo que qualquer conhecimento dado nas escolas é de todo "inútil", mas que há coisas que não tem sentido serem aprendidas se o aprendiz não for trabalhar direta ou indiretamente com isso na sua vida adulta. Sei disso porque muito provavelmente você procurou no google o que é um ribossomo. Então todo aquele esforço para acordar cedo, estar presente no horário e passar em torno de 5 horas sentado ouvindo um papo sobre suas organelas não parece ter valido muito a pena, né? Afinal, se você não se lembrou do que era quando te perguntei, então de que adiantou ter estudado isso?



Mais uma excelente tira do grandioso Will Leite

Ao meu ver, a escola deveria preparar as crianças para a vida. Deveriam ter aulas de matérias como Eletricidade Básica, Introdução à Tributação, Economia e Planejamento Financeiro, ou mesmo Princípios da Culinária, pois estas são coisas que as pessoas necessitam saber fazer no seu dia-a-dia. Nesta semana eu não precisei balancear uma equação sequer, mas precisei trocar a lâmpada de casa. Estou de férias, mas comendo em restaurante porque a única coisa que eu sei fazer é fritar ovo e cozinhar miojo, coisas que não aprendi nesses preciosos 20 anos (e contando) de aulas. É por causa da falta de matérias como Introdução à Tributação que você vê gente por aí pagando para outras pessoas fazerem seus impostos de renda. Algo que não é necessário CRC para preencher, apenas um entendimento básico sobre o que o governo quer saber.

A Escola é uma Prisão


Observem a imagem abaixo:

C.E. David Mendes Pereira, outubro de 2007.
Qualquer semelhança com uma penitenciária não é mera coincidência. E não estou falando somente da infraestrutura. Conceitualmente, ambos poderiam ser traduzidos como "lugar no qual se é trancafiado por tempo determinado, normalmente contra a vontade". Nosso banho de sol era a hora do recreio. Aliás, "penitenciária" vem de "castigo", "pena". E qual era a primeira coisa que seus pais falavam quando você fazia alguma coisa errada? "Tá de castigo, vai estudar!".

Mas existem lugares que não são assim? É claro que sim. Tive a oportunidade de estudar no Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, vulgo CEFET-Ba, e os 4 anos em que passei naquele lugar me fizeram mudar a maneira com a qual eu enxergo a educação. Serviu para quebrar diversos paradigmas, como a "obrigação" do aluno de estar na aula. Se você não quisesse assistir a uma aula sequer no ano, poderia fazê-lo sem problemas. A instituição apenas ensinaria na dor as conseqüências dessas atitudes. Contudo, eu passei boa parte desses 4 anos bebendo, cabulando aula e até jogando pôquer, e nem por isso virei um transgressor ou deixei de aprender nesse processo. Mas não recomendo ninguém a fazer isso.

Eu não estava brincando quanto ao pôquer.

A Escola não te Ensina a Pensar


Não estou dizendo instituições de ensino deveriam ser fábricas de Descartes, mas sim que elas estão sendo fábricas de descartes (dsclp, não consegui segurar a "piada")2. O que quero dizer é que durante a vida letiva nós somos ensinados quase sempre a apenas reproduzir os ensinamentos, nunca a criar. Não fique surpreso por descobrir que o motivo pelo qual é tão difícil fazer uma redação talvez esteja relacionado ao fato de que desde pequeno você tem sido programado apenas para reproduzir conceitos, e não elaborá-los. 

Na verdade, eu vejo a escola formando analfabetos funcionais a torto e a direito. E pra quem não sabe o que é um analfabeto funcional, trata-se de alguém que consegue ler mas não consegue compreender o que se tem escrito. Todos somos em algum nível, mesmo que imperceptível. O problema é quando se tem pessoas em níveis muito baixos.

Vou te dar um exemplo: Tem gente que você dá escrito num papel "João jogou a bola" e 5min depois pergunta "O objeto esférico foi arremessado por quem?" e ela não sabe responder. Isso se dá ao fato de que a pessoa consegue ler a frase, pode até internalizar a informação mas não consegue aplicá-la a um quadro, ou situação, que não aquela idêntica e previamente apresentada. Isso pode ser facilmente observado quando o professor inverte os eixos x e y nas aulas de matemática e o pessoal perde a cabeça, mas não consegue perceber que essencialmente nada mudou na questão. Ou mesmo quando ele simplesmente coloca o X do lado direito da equação.



Tive um professor que fez isso uma vez na aula e quase provocou a 3ª grande guerra.
Já presenciei situações que deixariam qualquer pedagogo louco. Há duas semanas fui repreendido por ter dado como resposta "500W" num cálculo em que o resultado saiu 0,5kW. Eu apenas converti de cabeça para um número que eu acreditava fazer mais sentido como resposta. Mas a professora achou aquilo o cúmulo do absurdo. Ela também não deixou um aluno utilizar uma outra fórmula para resolver o exercício pelo simples fato de que ela não havia dado aquele assunto. Em outras palavras, o estudante pegou o livro, estudou, estudou além, pois aprendeu conteúdo que não foi dado em aula, mas na visão dessa professora isso não poderia ter ocorrido. Ele deveria agir como um carneirinho, seguindo o rebanho.

É muito comum vermos colegas de classe resolvendo contas complicadíssimas mas não sabendo compreender nem interpretar os resultados obtidos a partir delas. Eu já vi um amigo meu calcular a deformação de uma viga de 2m por conta de um esforço estrutural e o resultado sair algo como 20cm e ele achar que tava arrasando. Bem, eu nunca vi uma viga de 2m deformar 20cm em sua zona elástica. É muita coisa. Ou seja, apesar de ele ter conseguido executar as contas, não conseguiu raciocinar acerca do que obteve.

Em contrapartida, me orgulho de poder dizer que no CEFET a coisa andava de uma outra maneira. Tive um professor, o César Rogério, que talvez tenha me ensinado a coisa mais importante no âmbito da didática: "O importante é aprender o conceito". Essa filosofia vem me acompanhando desde então. Já fiz prova de tirar 0 e não estar nem um pouco chateado pois houvera aprendido e entendido o conteúdo, apenas não fiz boa prova.


Resolvi 3 matrizes mas não consegui tirar a raiz de 93

Quem estuda ou se interessa pela área da educação, sabe que a avaliação é a parte mais difícil do ensino, e que é nela que a maioria dos professores pecam. Mas não vou me aprofundar nesse assunto pois o post já está um pouco longo e isso traria, no mínimo, mais uns 10 parágrafos. Talvez eu discorra sobre isso mais a frente ou nunca mais.

Conclusão


Bem, neste breve relato eu apenas apontei o que julgo ser os principais problemas da educação de um modo geral, evidentemente na minha humilde opinião como aluno e como educador. É claro que se fosse feita de uma outra maneira, poderíamos ter resultados piores ou melhores. Digo isso pois a liberdade que me foi dada no CEFET, indo de encontro ao que se tinha em outras instituições de ensino, levaram alguns amigos meus ao jubilo. Como diria o Mamonas Assassinas: É uma faca de dois legumes.


Notas

1- Eu sei que hoje o quadro é branco e que até já existe lousa eletrônica, mas deixe-me escrever o texto em paz.
2- Eu sei que não se deve explicar uma piada, ainda mais uma tão ruim como essa, mas René Descartes foi um filósofo francês (considerado por mim um dos maiores pensadores da história) e "descartes" são coisas descartáveis.
3- Eu havia dormido muito pouco nesse dia. Evidentemente, aquela avaliação não prova não sei efetuar radiciação. Foram apenas as circunstâncias.

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