sábado, 26 de setembro de 2015

Ao infinito e além!

Boa noite, meus desocupados favoritos. É com imensa alegria que retorno à minha máquina de escrever, para vos contar uma história dos meus tempos de criança. Da época em que minha única preocupação era saber a que horas passava a saudosa TV Globinho ou se mexi meu suquinho o suficiente antes de abrir, para que não terminasse bebendo conservante puro.

Mas antes de começar este relato, quero reafirmar que o conteúdo deste blog é puramente fantasioso e não deve ser aceito para a formação de opinião, crítica ou qualquer reflexão sobre a sociedade atual (está no banner ao lado). Logo, espero não receber um processo do Sapão Paulo ou de qualquer outro personagem relatado neste pequeno (e humilde) texto, assim como por parte da instituição de ensino onde fantasiosamente se passa a história.

Então vamos lá:


Durante boa parte da infância, eu estudei em diversos colégios. Não porque eu tivesse sido expulso de algum ou algo parecido, mas porque minha família costumava se mudar constantemente. Era uma espécie de ritual similar ao nomadismo, que não tinha razão aparente, mas que fazia eu perder meus amiguinhos conquistados em cada lugar.

No meio do ano de 2002, eu estudava num colégio chamado Centro Educacional São Rafael, CESR (não confundir com Colégio Estadual,. Esses vieram depois e vão ser temas de outras histórias), e freqüentava a 4ª série do ensino fundamental, o que hoje equivale ao 5º ano de algum ensino que inventaram aí. Por se tratar de um colégio comum, era bem comum possuir os esteriótipos de alunos daquela época. Um desses esteriótipos eram os repetentes: as figuras que, por terem ficado 1 ou 2 anos na mesma série, tinham o dobro do tamanho dos coleguinhas do mesmo período, dado ao fato de que a espécie humana costuma atingir elevada taxa de crescimento nesta fase da vida.

Ainda existe e hoje parece ter sido construído no Minecraft

Pois bem, na minha turma tinham dois grandalhões, o Paulo, vulgarmente denominado "Sapão", e o Rafael, que ninguém ousava colocar um apelido porque ele era um cara muito sinistro. Quero abrir uma pausa aqui para reafirmar que "criança é a imagem do cão". Sim, as crianças não são aquelas coisas puras e bondosas que todo mundo costuma falar por aí. Elas podem ser, até uma certa idade, mas quando aprendem a atravessar a rua ou a contar o troco do pão, pode ter a certeza de que são verdadeiras criaturinhas do submundo.

Digo isso pelo simples fato de terem apelidado de Sapão um cara que sofria de alguma deformidade genética, que fazia os seus lábios repousarem de maneira totalmente disforme em sua face, dando a impressão de ter saído de algum desenho da Marvel. Para contribuir ainda mais com a (falta de) sorte desse indivíduo, ele havia sido atacado, em sua antiga escola, por uma lapiseira (ou "grafite") na região lateral do rosto, delineada pelo maxilar, o que deixou uma cicatriz perceptível no local.

Os tamanhos de suas pontas são facilmente identificados pela cor do objeto

Resumidamente, o cara era a figura perfeita para o propósito de qualquer criança no mundo: tirar sarro. Logo nas primeiras semanas de aula, criou-se um braimstorming de apelidos dos mais variados pro cara. Era "senhor Burns", "biquinho" e etc. Até que um desalmado, do fundo da sala, bravejou: "Boca de Sapo".

Prezado leitor, aquilo ecoou uníssono nos ouvidos da garotada  presente no recinto, e tornou-se, de maneira silenciosa e unânime, o apelido "oficial" do cara. Arrisco a dizer que essa votação telepática a favor desse cognome conseguiu atravessar as paredes, pois quando eu saí da sala, já tinha gente de outra turma chamando o cara pela alcunha. É até um pouco difícil acreditar nisso, numa era em que o whatsapp era um pedaço de papel passado de mãos em mãos.


A verdade é que ele parecia mais com esse cara

O bulem com o Boca de Sapo era tão intenso que o caso foi parar na diretoria/coordenação. A autarquia da administração do colégio decidiu que seria proibido chamá-lo assim e comunicou que puniria qualquer um que se atrevesse a quebrar a determinação. O que se sucedeu? Sim, as pequenas mentes malignas contornaram a situação diminuindo a frequência do abuso e chamando-o apenas por "Sapão", o que tecnicamente não infringia a proibição. Rolava até uns desenhos do cara. Eu, no fervor da zoeira, sempre que podia, tirava sarro do cara. Zoava em excesso.

Mas é claro que o Sapão não deixou barato, e com a ajuda do Daniel, elaborou mais uma vez seu plano santo, e sem ser crucificado, da escada foi me arremessar. Logo, logo, chegando à parte superior dessa séries de degraus, me agarraram pelos pulsos e tornozelos e começaram a balançar, executando movimento pendular. Eu, por não acreditar que fariam algo do gênero, ria diante da, até então, brincadeira.

O riso cessou no momento em que percebi que as mãos que me seguravam pelos braços e pernas não exerciam mais a pressão necessária para mantê-los unidos a elas. Nesse exato instante, em câmera lenta, me vi numa batalha contra a gravidade, da qual eu tinha absoluta certeza de sair derrotado.

Se eu soubesse física o tanto que eu sei hoje, daria até para escrever a função que regia a trajetória da minha queda, podendo extrair exatamente o tempo gasto nela, bem como as velocidades em cada ponto. Deve ter durado poucos segundos. Ou talvez milésimos. Mas em minha mente, se passaram alguns minutos entre o ponto de escape e o de colisão, deixando o tempo de sobra para a conclusão de todos esses cálculos.

Foto: Simulação

Bam! Acertei a quina de um dos degraus. Ou de dois, simultaneamente. Numa hora dessas, não se costuma pensar em detalhes frívolos como esse. O impacto seco (na época, meu I.M.C era menor de idade) do meu corpo doeu tanto que nem sequer esperei o sinal elétrico da coluna cervical chegar no mesencéfalo para que eu pudesse sentir essa dor. Nunca caiam num canto vivo, pois dói pra cacete.

O resto da queda foi a parte mais fácil. A gravidade cuidou para que eu rolasse numa simulação de um filme hollywoodiano, com o diferencial de não ter um dublê para me substituir nessa cena. A máxima de que "do chão não passa" foi cumprida e eu aterrissei no patamar inferior, ainda com vida.

Os grandalhões riam e havia parecido que a situação se inverteu: eles que estavam por cima, na brincadeira. Como em qualquer ambiente rodeado por crianças, as mesmas entraram no espírito da coisa e depois de alguns instantes, se dispersaram pelo ambiente. Voltei à sala de aula, com alguns doloridos, e assisti à lição normalmente.

Na noite do atentado, quando já estava em casa, minha mãe viu as marcas do ocorrido e foi, no dia seguinte, à coordenação reclamar do fato. Eu acredito que não tenha ocorrido uma punição muito severa para os dois. Na verdade, suspeito que os pedagogos tenham somente admoestado os infratores, visto que o caso tinha a zoação do Boca-de-sapo como atenuante.Naquele tempo, as crianças não eram tacinhas de cristal que se quebravam ao menor sinal de perturbação.

Cair de uma escada me influenciou positivamente, pois aprendi (na dor) que palavras e atitudes podem ter conseqüências. Uma semana de inchaços me ensinou uma lição para o resto da vida.

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